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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ninguém pode abrir a boca

Assim como todas as manhãs, eu estava navegando pelos blogs que gosto de ler e me deparei com um post muito legal do João Pitella Junior no blog Refluxo de Consciência falando sobre a falsa liberdade de expressão que temos no mundo de hoje.

Me identifiquei tanto. Minha própria irmã teve que sair do twitter para não complicar seu processo de divórcio. A cada dia que passa eu chego a conclusão de que nós temos o direito de permanecer conectados, mas tudo que tuitemos ou bloguemos poderá e será usado contra nós...

Filosofações a parte, taí o texto mais que recomendado para quem quiser ler.

Ninguém pode falar nada

Certa vez, vi na epígrafe de um livro a seguinte citação, apresentada como um antigo ditado chinês: “Que você possa viver em tempos interessantes”. Como o livro era um romance barato do Sydney Sheldon, de quem eu era fã lá pelos meus 17 anos (estou perdoado, então?), não dá para confiar muito na fonte, mas a frase é tão boa que ficou na minha memória.

Os nossos tempos são interessantes, entre outras coisas, por causa de um paradoxo: nunca houve tantos meios de comunicação, e nunca houve tão pouca liberdade de expressão. Nas redes sociais, no trabalho e entre os seus amigos e parentes, você pode falar de tudo, desde que não diga nada. Explico melhor: você não pode falar nada que não seja “politicamente correto”.

E aí está outra contradição: o próprio conceito de “politicamente correto” é uma grande incorreção política — afinal, numa democracia verdadeira não poderia existir uma norma social ditando, de antemão, o que é certo pensar ou dizer. Mas quem falou em democracia? Hoje não deve existir democracia em lugar nenhum do mundo. Há as ditaduras de direita e as de esquerda — estas foram trocando, aos poucos, a violência pela inteligência, e por isso ganharam a briga. A grande vitória da esquerda, no mundo e em particular no Brasil, foi convencer sutilmente a opinião pública de que “politicamente correto” é tudo o que se enquadra nas suas bandeiras históricas, como a preocupação ambiental e a militância pelos direitos humanos (não todos os direitos, mas aqueles da cartilha).

A direita quebrou a cara porque nunca deu bola para essas coisas; nunca lutou, por exemplo, para presidir uma comissão de Direitos Humanos de algum Parlamento. Isso era “coisa da esquerda”... Hoje, a direita adere constrangidamente ao “politicamente correto” e com isso se enfraquece ainda mais, pois perde a identidade.

Voltando ao assunto: ninguém pode falar nada, muito menos no trabalho, onde qualquer coisa vira motivo para processo por “assédio moral” – aliás, uma tradução péssima do inglês, pois o certo seria dizer “hostilidade” ou “perturbação” moral. Muito bem, falemos do “assédio”. Fiquei estarrecido ao saber que, numa repartição pública de Brasília, há processos administrativos contra chefes só porque não pediram “por favor” aos subordinados na hora de delegar tarefas. Pessoas com salários altíssimos, pagos pelo contribuinte, acham que estão fazendo um “favor” ao cumprir suas obrigações.

Hoje ninguém pode dizer nada, pois as pessoas estão sempre ofendidas. Não se pode fazer uma piada, uma brincadeira para descarregar o ambiente. Pior: também não se pode falar sério demais, porque isso ofende. Você precisa controlar a língua o tempo inteiro. Assim, vamos perdendo a brasilidade, como havia previsto Nelson Rodrigues. O “politicamente correto” e o “assédio moral” são conceitos importados, mal copiados.

Todos se acham tão sérios, tão “corretos”, que qualquer coisa vira ofensa. No fundo, quase todos são preconceituosos e ninguém é tão a favor assim dos direitos humanos (só dos seus próprios), do socialismo (só com o dinheiro dos outros), do bom-mocismo. A hipocrisia nunca reinou com tanta força.

Pensando bem, talvez os nossos tempos não sejam tão interessantes assim. O mundo do “politicamente correto” é uma chatice. Ninguém pode abrir a boca.

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